" A saúde mental esteve aparelhada nos últimos governos" - Karina Manarin

” A saúde mental esteve aparelhada nos últimos governos”

Na avaliação do professor Doutor João Quevedo, Referência Mundial em Saúde Mental, nos últimos quatro mandatos presidenciais o setor esteve aparelhado ideologicamente.

Professor da Unesc que adotou desde  2014, a ponte aérea Brasil/Estados Unidos a cada três meses em prol da pesquisa, Quevedo coordena um dos quatro laboratórios que estudam a área de medicina.

Especialista em pesquisas referentes a depressão e transtorno bipolar, ele busca adaptar o que há de mais atual nos Estados Unidos, onde há mais recursos, material humano e investimentos, à realidade brasileira, o que tem apresentado ótimos resultados.

Pelo menos 10% da população mundial tem depressão e a pesquisa desenvolvida na Unesc em parceria com a Universidade de Houston, nos Estados Unidos agrega conhecimento, consolidando a universidade como referência não somente em ensino mas em pesquisa e extensão.
 
Quando se fala em pesquisa, é algo abrangente. O que esses estudos realizados aqui acrescentam à realidade dessas doenças?
Qual que é o grande desafio que temos em psiquiatria? Nossos tratamentos funcionam? sim, eles funcionam . Os nossos tratamentos eles funcionam super bem? Não, eles não funcionam super bem. Eles funcionam para todos os pacientes? não, eles não funcionanm para todos os pacientes. Eles curam? não, eles não curam. Então nós temos uma série de necessidades que não foram resolvidas. Quando se faz pesquisa em determinada área da medicina se quer entender porque aquela doença existe, desenvolver novos tratamentos e possivelmente tentar curar.
 
Especificamente o trabalho com pesquisa realizado aqui na Unesc…
Na verdade nós estamos tentando entender o motivo pelo qual as pessoas têm a doença. Nós estudamos as alterações químicas que acontecem nesses pacientes e que provavelmente são os que causam doença. Não temos como tratar algo que não entendemos. Basicamente todos os tratamentos que existem nessa área foram descobertos ao acaso, não porque sabemos exatamente o que acontece no cérebro. Por exemplo, nós usamos uma medicação chamada lítio, há pelo menos 60 anos. Se me perguntares, qual o mecanismo de ação do lítio eu vou te dizer que eu não sei… e não é porque eu não estudei. Eu não sei porque ninguém sabe. Mas funciona.
 
Hoje existe no Brasil tratamento para depressão e transtorno bipolar pelo SUS?
Sim existe. Infelizmente, como boa parte da saúde pública, a saúde mental esteve ideologicamente aparelhada nos últimos quatro mandatos presidenciais. As coisas começaram a melhorar no governo Temer com a volta da psiquiatria baseada em evidências científicas. De forma geral os recursos do SUS para saúde mental são menores que a demanda e muito mal gastos.
 
A depressão é o mal do século?
A depressão é de alta prevalência, ou seja, muita gente tem depressão, estamos falando de 10% da população.  Quando divide entre homens e mulheres falamos entre 15 a 17% das mulheres e homens de 7 a 8%. Mas em média dez por cento das pessoas terão depressão em algum momento da vida. É uma doença de alta prevalência.
 
Mas isso é humano ou são os tempos que vivemos?
Isso é da natureza humana. Se pegares a bíblia, que parece que foi escrita ha muito tempo, lá vai descrever o rei Saul, o quadro descrito da vida dele é de depressão. Uma pessoa malancólica e dentro do contexo, da narrativa bíblica descreve como uma “punição de Deus”. Mas é uma descrição típica de um quadro clínico depressivo então, a depressão ela faz parte da natureza humana. Talvez a questão da forma como vivemos hoje em comparação a forma como vivíamos no passado, ela deve contribuir para que hoje tenha mais. Mas não foi criada uma doença que não existia. Ela sempre existiu.
 
O sr mora nos Estados Unidos desde 2014, trabalhando com pesquisa. O que se traz de lá para cá nessa área de pesquisa?
Quando eu fui para lá, tínhamos uma detrminada forma de conduzir a pesquisa que a gente fazia aqui. Eu diria que para o contexto que vivíamos na época, fazíamos uma coisa boa só que não o suficiente para ser competitiva do ponto de vista internacional. Com a minha ida para lá, o que eu pude fazer é transferência de tecnologia. Tipo como é que eles pensam o jeito de fazer pequisas nessas doenças lá, a gente passou a reproduzir aqui mais ou menos o mesmo modelo mas dentro da nossa realidade, do tipo de paciente que nós temos….
 
Mas qual a diferença de lá e daqui?
Eles são ousados.
 
Em que sentido?
Eles querem curar… eles têm metas menos modestas. Eles querem curar as doenças e estão dispostos a gastar o que for preciso para que isso aconteça. Então eles têm grande ousadia, os melhores talentos do mundo, porque eles importam gente do mundo inteiro… então eles têm ousadia, material humano e recurso financeiro. A gente tenta transladar isso para quilo que é possível ser feito aqui. Hoje talvez a gente não faça exatamente a pesquisa no mesmo nível que eles fazem lá ainda, mas fizemos bem melhor que fazíamos a época. Então, estamos num processo de amadurecimento científico.
 
O sr é referência em estudos da depressão e do transtorno bipolar. A diferença dessas duas doenças…
Na depressão só existem as fases depressivas, período na sua vida em que vai sentir tristeza ou perda de interesse e prazer mais alguns outros sintomas, então é uma doença que chamamos de unipolar porque só tem um pólo, para baixo. O transtorno bipolar são dois, então dois pólos. Então haverá fases da vida depressivas, que infelizmente é a maior parte do tempo e períodos que ele vai estar em mania, que é excesso de energia, excesso de tomada de risco, redução de necssidade do sono, aceleração de pensamento, fala mais rápido… na depressão tu prejudica tua vida por falta de ação, na mania prejudica por excesso de ação.
 
Há muitas situações em que pessoas se encontram em estado depressivo mas não sabem. O que seria um sinal de alerta?
Os sintomas chave da depressão: tristeza e/ou pode etr um dos dois ou os dois juntos: perda de interesse ou prazer. Então é aquela coisa: tu gostava de ir no jogo do Criciúma por exemplo… talvez isso não seja um exemplo bom porque hoje ninguém mais gosta… mas vanos supor que o time estivesse indo bem e que você tivesse esse prazer e de repente… ah não vou, não tenho mais vontade… a pessoa vai diminuindo o interesse nas coisas.
 
Tem forma de tratamento de depressão que não se use medicamento?
Só na depressão leve. na depressão leve estudos mostram que psicoterapia desde que seja do jeito certo, pode isoladamente tratar. mas depressões de intensidade moderada a grave necessariamente precisa de medicação.
 
Conforme as pesquisas com as quais o sr trabalha, qual a evolução do tratamento?
Infelizmente, apesar de os antidepressivos existirem há mais de 50 anos do ponto de vista do mecanismo de ação, as coisas não mudaram tanto quanto nós gostaríamos. Entretanto algumas coisas novas têm saído. O que se tem de mais inovador no tratamento da depressão do ponto de vista de medicação atualmente é uma droga chamada quetamina. Em português seria cetamina. A cetamina é um anestésico que se usa há 50 anos, mas foi descoberto há uns dez anos atrás que se usar em doses baixas o tratamento é rápido, coisa que não acontece com os tratamentos normais de depressão, e bastante significativo o resultado. Se administra por via endovenosa. Tem uma indústria farmacêutica que desenvolveu uma apresentação da cetamina para uso intranasal e isso deve ser aprovado pelo órgão que regula os medicamentos nos Estados Unidos esse ano. Vai ser uma mudança de paradigma a cetamina. na verdade a cetamina do ponto de vista não a intranasal que será aprovada daqui um ou dois meses… mas a endovenosa já é usada em vários lugares. Nós usamos aqui em criciúma.
 
O funcionamento do laboratório de psiquiatria transacional na Unesc
Abaixo de mim são três professores e cada um é reponsável por uma dessas áreas … então eu trabalho individualmente com cada um deles para determinar qual a direação que a gente vai. Nós vamos responder perguntas. O que que não é respondido ainda e aí a partir dali se constrói.
 
Qual a maior pergunta que ainda não tem resposta?
Por que as pessoas têm depressão, transtorno bipolar? A gente não sabe …
 
Isso se deve a mudanças no organismo? o que provoca é fator externo?
Qualquer doença, exceto as que são puramente genéticas, elas são uma associação entre fatores genéticos e externos. Por exemplo, se tu vem de uma família que tu és o 15 que tem transtorno bipolar… então o componente genético nessa família é muito alto. Não precisa de muito extressor para desenvolver a doença. Se tu tens um histórico familiar zero para a doença e tem a doença provavelmente o fator externo é determinante. Pela minha experiência clínica, já que atuei durante muitos anos em Criciúma, já sei mais ou menos onde estão os ” clusters” genéticos. Eu brincava que em meu consultório fazia diagnóstico por sobrenome. Então tem algumas vamos dizer assim” pedigrees”  familiares que são muito típicos para uma doença ou para outra e isso acaba sendo útil para estudar.
 

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